Saturday, October 28, 2006

zé das catacumbas

confidenciou-me, havia matado o pai. mas nem bem morto assim. vez em quando, ele surgia. e aí derrota de tudo. subiam-lhe além dos suores, a pressão, e com ela, o nervosismo, que ele sabia bem de quem herdado. esculhambava tudo, agia como se não fosse mais um. pior, como se não fosse ele mesmo. reconhecia-se irreconhecível. tudo era pressão do morto, que disse ele havia matado.

dentro de todas as coisas que detestava desta morte não conseguida, a ansiedade era o mal maior que herdara dessa morte mal matada. levara quase uma vida toda para descobrir isso. sim, era emocionalmente tenso, o que dificultava-lhe o equilibrio, nesta corda bamba de um duelo trabado entre o consciente e o insconsciente, pior, que não era dele. em conflito, a maioria de suas decisões eram afetadas por isso. pela ansiedade, que tanto-lhe lhe movia às pressas benéficas, mas que também provocava a perda de foco, dir-se-ia tecnicamente. ia viajar? noite mal dormida já de ante-véspera. e sonhos de chegada sempre cortados pela angústia da conferência dos mínimos detalhes. ônibus as quatro? as duas já na rodoviária. aquilo não era dele, era do morto, com suas insistências de manter os horários de vida dos outros pela hora da morte.

de suores frios assim tomado, via-se em discussões com seus oponentes reais tornados imaginários porque multiplicados em clones, cada um face adversa das muitas do morto mal matado. no que concluira que os mortos-vivos tem mais faces do que os vivos-mortos, estes que agora gostariam de lhe comer vivo enfrentados daquela maneira como se fossem sobrenaturais. afinal, quem gosta de ser tratado como morto?

pior ainda quando tentava prever tudo? no que sempre falharia, claro. de que adiantava imaginar que não fosse pego de surpresa, anteciparia-se as previsões de fracasso do morto, o que, em suma, tratava-se de evitar não tomar esporro do morto como tantas vezes acontecera em vida? nunca levaria vantagem sobre o morto e os vivos, que não raro transbordavam à realidade de maus súbitos, passando-lhe a perna, ressucitando mais uma vez o morto mal matado em máscaras do escárnio da opressão. então, gerava-se daí a fúria desabrida que no fundo, sabia agora, não era sua. um desejo desproporcional de negar compulsivamente o mando da autoridade, de um abaixo a ditadura do papel higiênico que fosse. aquela sua inconoclastia infantil do hay gobierno soy contra, acaletava isto sim afundanços nos negócios onde também ia perdendo sua vida pela morte mal matada do outro.

passaria de um fantasma? se cada passo do vivo, governado pelo morto. que inferno viver assim. carregava o peso do castigo e da ameaça. insuportável, não seria melhor morrer ele mesmo? duvidara a pensar algumas vezes. ciente de que estava perdendo a batalha? seria esta a questão crucial. o dia toda convivendo com isto, rebelando-se contra ele mais no fundo impulsionado por ele, sempre ele, o morto mal matado, do qual ele também um reencarnado?

por entre as catacacumbas dos vivos zé esgueirava-se neste dilema dos mortos tornado vivo por ele mesmo cada vez que pegava-se matando o pai mais uma vez mal matado.

matando-se mataria definitivamente o pai? ou quiçá seria muito mais vivo, deixá-lo viver, conquanto que fosse bem longe dali, em terras distantes não mais demarcadas pela lembrança da necessidade do esquecimento a rebelião?

zé das catacumbas perambula dia apos dia em cada um dos muitos de nós que imagina-se muito vivo por ter matado pra além de morte morrida o morto do pai que continua imortal por isso mesmo.

onde a falta de sutileza dessa morte mal matada? no rejunto das catacumbas por onde entram e saem as baratas da memória ?

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