Thursday, October 19, 2006

o papel do pirulito na vida da mulher da vida

enfiou os dois dedos na buceta.
depois chupou os dedos como se fosse a coisa mais gostosa do mundo. era uma espécie de ritual, na verdade um esquente, que é para o cliente não entrar em boca fria.

lembrou-se de todos os pirulitos de feira chupados na infância. assim embalada desembainhou o pau do freguês e meteu-o todo na boca.

não fosse profissional que era, té dormia e sonhava de volta aos tempos de menina. lembranças pueris daqueles pirulitos mais pegados na tábua. coisas de que as crianças de agora nem desconfiam o que era prazer. aquela coisa enfiada na tábua no teor dos seus 23 centímetros. a base grossa toda de fora. a parte fina transpassando a tábua pelo buraco pertado que nunca afolozota. porque sempre fica aquela coisa peguenta grudada. e assim, metade dentro, metade fora, passar dos tempos até se incorpora a madeira. sobras do pirulito como um cerote. que até contribui para dar mais água na boca. e quando era o último então? inté parecia que vivo era. quese pingando na ponta feito pica mijona de mica.

contudo, pirulito só tinha serventia no tempo certo. novo demais era como coisa de cera quente. mais quentchura que sabor. era engraçado esta coisa de pirulito, diferente da vida. novo, era mole demais. velho, era duro de quebrar dente. na média era bom de chupar, até de mordiscar, nem tão duro que não ficasse mole, nem tão mole que não fosse duro na hora que tinha de ser.

detalhe: duro e cor de rosa, inda mais que o papel que o papel que o enrolava – ela só escolhia os de papel cor de vermelho, verde e amarelo nem pensar, cor de pau de bandeira mole, eca! – era coisa de língua o que já não podia se fazer, por exemplo, com algodão doce, que emprastava a cara toda de açucar, que só tendo língua que batia na testa, conseguia limpar. não era o caso.

pirulito não, bom de se chupar, durava mais que toda e qualquer guloseima. e qualquer coisa até arriscava envolver no lenço e guardar para o dia seguinte.

pensando nisso a vida toda, vida açucarada de rosiléia, boca de tábua de pirulito. aguentava aquela vida como se fosse uma provadora de qualidade das fábricas de pirulito do mundo. quase cincoenta anos na zona, chupando como ninguém. dá-va gosto ver. quer dizer, há 40 anos atrás. agora só de luz apagada. ninguém nem via sua cara, apenas sentia a serventia. a língua, a cavidade bucal, vez em quando pelos do nariz, nem se apercebendo do buço, molares, pré e caninos, noves fora, a verruga passando batida, as rugas servindo de suporte de bagos, e tudo o mais da vida afora incorporado ao ato de profissão encarnada, até os cabelos ressecados de algodão doce se fosse. como pirulito na tábua do destino até o dia em que a morte viesse lhe chupar.


(mas cuidado na escolha do papel, tem de ser encarnado, tom de tosa, pra combinar com a menina que passou a vida a chupar pirulitos, não se esqueça, verde e amarelo, cor de bandeira mole, eca! e a morte que não a enrole, nem tão nova demais que seja mole, nem tão velha que fique dura e fria, porque agora estamos falando de chupar pirulitos mas sim de ser chupado por toda uma eternidade).

1 comment:

Alex Camilo said...

Como diria minha santa vovozinha, Dª Rosa, "O bom filho a casa torna". Pois então, olha eu aqui de novo, vivinho da silva, saido da suruba com todas as pregas(ótimo conselho aquele seu). Gostei muito desse texto, princiapalmente do jeito que você tratou a dicotomia inocencia-perdição. Explico, esse lance do personagem lembra-se da freudiana FASE ORAl pra poder seguir bem no ofício deu muita profundiade à personagem. Um outra coisa que vc mostrou muito bem, embora implicitamente é um certa dialética do sexo oral. Mais uma vez, explico: quando uma homem vê uma mulher chupando um pirulito, um picolé ou coisa parecida, imediatamente constroi um imagem mental daquela mulher fazendo sexo oral. Será que quando uma mulher faz sexo oral ela pensa o tempo todo em pirulito, picolé e coisa que o valha? Interessante perceber essa nuances. Creio que já falei mais do que era necessário. Um abraço.