Saturday, October 28, 2006

zé das catacumbas

confidenciou-me, havia matado o pai. mas nem bem morto assim. vez em quando, ele surgia. e aí derrota de tudo. subiam-lhe além dos suores, a pressão, e com ela, o nervosismo, que ele sabia bem de quem herdado. esculhambava tudo, agia como se não fosse mais um. pior, como se não fosse ele mesmo. reconhecia-se irreconhecível. tudo era pressão do morto, que disse ele havia matado.

dentro de todas as coisas que detestava desta morte não conseguida, a ansiedade era o mal maior que herdara dessa morte mal matada. levara quase uma vida toda para descobrir isso. sim, era emocionalmente tenso, o que dificultava-lhe o equilibrio, nesta corda bamba de um duelo trabado entre o consciente e o insconsciente, pior, que não era dele. em conflito, a maioria de suas decisões eram afetadas por isso. pela ansiedade, que tanto-lhe lhe movia às pressas benéficas, mas que também provocava a perda de foco, dir-se-ia tecnicamente. ia viajar? noite mal dormida já de ante-véspera. e sonhos de chegada sempre cortados pela angústia da conferência dos mínimos detalhes. ônibus as quatro? as duas já na rodoviária. aquilo não era dele, era do morto, com suas insistências de manter os horários de vida dos outros pela hora da morte.

de suores frios assim tomado, via-se em discussões com seus oponentes reais tornados imaginários porque multiplicados em clones, cada um face adversa das muitas do morto mal matado. no que concluira que os mortos-vivos tem mais faces do que os vivos-mortos, estes que agora gostariam de lhe comer vivo enfrentados daquela maneira como se fossem sobrenaturais. afinal, quem gosta de ser tratado como morto?

pior ainda quando tentava prever tudo? no que sempre falharia, claro. de que adiantava imaginar que não fosse pego de surpresa, anteciparia-se as previsões de fracasso do morto, o que, em suma, tratava-se de evitar não tomar esporro do morto como tantas vezes acontecera em vida? nunca levaria vantagem sobre o morto e os vivos, que não raro transbordavam à realidade de maus súbitos, passando-lhe a perna, ressucitando mais uma vez o morto mal matado em máscaras do escárnio da opressão. então, gerava-se daí a fúria desabrida que no fundo, sabia agora, não era sua. um desejo desproporcional de negar compulsivamente o mando da autoridade, de um abaixo a ditadura do papel higiênico que fosse. aquela sua inconoclastia infantil do hay gobierno soy contra, acaletava isto sim afundanços nos negócios onde também ia perdendo sua vida pela morte mal matada do outro.

passaria de um fantasma? se cada passo do vivo, governado pelo morto. que inferno viver assim. carregava o peso do castigo e da ameaça. insuportável, não seria melhor morrer ele mesmo? duvidara a pensar algumas vezes. ciente de que estava perdendo a batalha? seria esta a questão crucial. o dia toda convivendo com isto, rebelando-se contra ele mais no fundo impulsionado por ele, sempre ele, o morto mal matado, do qual ele também um reencarnado?

por entre as catacacumbas dos vivos zé esgueirava-se neste dilema dos mortos tornado vivo por ele mesmo cada vez que pegava-se matando o pai mais uma vez mal matado.

matando-se mataria definitivamente o pai? ou quiçá seria muito mais vivo, deixá-lo viver, conquanto que fosse bem longe dali, em terras distantes não mais demarcadas pela lembrança da necessidade do esquecimento a rebelião?

zé das catacumbas perambula dia apos dia em cada um dos muitos de nós que imagina-se muito vivo por ter matado pra além de morte morrida o morto do pai que continua imortal por isso mesmo.

onde a falta de sutileza dessa morte mal matada? no rejunto das catacumbas por onde entram e saem as baratas da memória ?

Thursday, October 19, 2006

o papel do pirulito na vida da mulher da vida

enfiou os dois dedos na buceta.
depois chupou os dedos como se fosse a coisa mais gostosa do mundo. era uma espécie de ritual, na verdade um esquente, que é para o cliente não entrar em boca fria.

lembrou-se de todos os pirulitos de feira chupados na infância. assim embalada desembainhou o pau do freguês e meteu-o todo na boca.

não fosse profissional que era, té dormia e sonhava de volta aos tempos de menina. lembranças pueris daqueles pirulitos mais pegados na tábua. coisas de que as crianças de agora nem desconfiam o que era prazer. aquela coisa enfiada na tábua no teor dos seus 23 centímetros. a base grossa toda de fora. a parte fina transpassando a tábua pelo buraco pertado que nunca afolozota. porque sempre fica aquela coisa peguenta grudada. e assim, metade dentro, metade fora, passar dos tempos até se incorpora a madeira. sobras do pirulito como um cerote. que até contribui para dar mais água na boca. e quando era o último então? inté parecia que vivo era. quese pingando na ponta feito pica mijona de mica.

contudo, pirulito só tinha serventia no tempo certo. novo demais era como coisa de cera quente. mais quentchura que sabor. era engraçado esta coisa de pirulito, diferente da vida. novo, era mole demais. velho, era duro de quebrar dente. na média era bom de chupar, até de mordiscar, nem tão duro que não ficasse mole, nem tão mole que não fosse duro na hora que tinha de ser.

detalhe: duro e cor de rosa, inda mais que o papel que o papel que o enrolava – ela só escolhia os de papel cor de vermelho, verde e amarelo nem pensar, cor de pau de bandeira mole, eca! – era coisa de língua o que já não podia se fazer, por exemplo, com algodão doce, que emprastava a cara toda de açucar, que só tendo língua que batia na testa, conseguia limpar. não era o caso.

pirulito não, bom de se chupar, durava mais que toda e qualquer guloseima. e qualquer coisa até arriscava envolver no lenço e guardar para o dia seguinte.

pensando nisso a vida toda, vida açucarada de rosiléia, boca de tábua de pirulito. aguentava aquela vida como se fosse uma provadora de qualidade das fábricas de pirulito do mundo. quase cincoenta anos na zona, chupando como ninguém. dá-va gosto ver. quer dizer, há 40 anos atrás. agora só de luz apagada. ninguém nem via sua cara, apenas sentia a serventia. a língua, a cavidade bucal, vez em quando pelos do nariz, nem se apercebendo do buço, molares, pré e caninos, noves fora, a verruga passando batida, as rugas servindo de suporte de bagos, e tudo o mais da vida afora incorporado ao ato de profissão encarnada, até os cabelos ressecados de algodão doce se fosse. como pirulito na tábua do destino até o dia em que a morte viesse lhe chupar.


(mas cuidado na escolha do papel, tem de ser encarnado, tom de tosa, pra combinar com a menina que passou a vida a chupar pirulitos, não se esqueça, verde e amarelo, cor de bandeira mole, eca! e a morte que não a enrole, nem tão nova demais que seja mole, nem tão velha que fique dura e fria, porque agora estamos falando de chupar pirulitos mas sim de ser chupado por toda uma eternidade).

Monday, October 16, 2006

vamos tratar da saúde

22 tiros na cara. mais buraco só peneira. furdanço de bife e fígado esmurrado. pra quê tudo isso? nem pensou. serviço podia ser feito com duas, três, no máximo, que estava aprovadíssimo no exame de vista, constatou semana passada. mas como fazer cano fumegar e dar aquela passa com gosto de cano de depois?
risco de travar e derreter o tambor que se foda.por isso até usou tresoitão cano longo, assim nem tão adequado pra apresuntado à queima roupa, mas long size de fumaça.
ministério de saúde adverte. fumar faz mal a saúde. mas como largar do vício? isso eles não ensinam. e assim cada um deixa de fumar a sua maneira. só tinha mesmo um defeito. gostava de fumar cigarro de filtro, e o silenciador era preto, nadica de doirado. solução tragar alguém com cara de celofane?

Wednesday, October 11, 2006

le petit prince

não tinha mais que 12 anos. pequenos furtos. drogas pedem passagem. dezenas de brigas e centenas de porradas. lembranças tenebrosas de varias estadias na febem, a não ser uma: figura de livro que não sabia ler. menino louro montado em cima do mundo. isto ele queria ser. quem não quer ser? dono do mundo, quando se está cada vez mais por baixo?

não podia ver um cacetete que se transfigurava num monstro. de resto era manso, gatunozinho safado. boca de meia tigela. batia-se o pé e saia em disparada. mas desta vez não deu. beco sem saída, nem precisaram atirar.

e assim foi. pediram para manerar, apontar armas prum menino pra que? então tome coturno nos cornos, cacete no fígado, chave de braço, gravata pretexto para projeção de queixo bem na quina da calçada. zonzo de véspera mal sentiu o baque. quase-morto, serviço feito, meganhas cutucam o quase pacote pra ver se o bicho já era. não se mexe e o positivo é sinal de quase pronto pra ser enrolado como presunto. policial ainda chacoteia com o magreza do moleque, passando-lhe ponta de cacetete na bunda, gargalhada aprofundando a dedada.

ressucitaram o animal. ainda de costas, faca de sapateiro no meio do pescoço sem farda. os outros mal, tiveram tempo de ser virar. bala com bala, levou 15, chutou seis de primeira. os dele sem sobrevientes. os deles, levou no braço, na perna, na barriga e na coxa, puro azar, aquela artéria não devia estar ali.

ainda aguentou até de manhãzinha quando os primeiros raios de sol deram-lhe a ilusão de ver o principezinho surgindo por cima do sol. desmaiou, morreu, ressucitou. teve um fim que sugeria um novo começo. mas de morto morrido última página virada.


em seus sonhos de cadáver uma frase ainda incompreendida: você é responsável por tudo aquilo que cativa.

Tuesday, October 10, 2006

hora do angelus

dois dedos de martini e uma lista de crimes na cabeça. que mais precisa um homem para ser feliz ?

uma noite a vestir-se de perfeita, não fosse a cereja de má qualidade, pensou de soslaio. beber a calda não combinaria com o sangue dos seus planos. alfinetou-a. como se o palito fosse um estilete de costume, uns dois dedos abaixo do umbigo. mas não reclamou deste primeiro deslize em tanto tempo de convivência. há que se ter compaixão, pensou condoidamente. cerejas de boa qualidade não são servidas em um bar cujo forte era a vista. e que mesmo assim, tinha mantido razoabilidade em muitas. laivo de generosidade que lhe apascentava os demônios que provocavam a sua santidade com tantos questionamentos sobre seus atos inócuos, e que eles sim, demônios a cumprir papel santo, como anjos rebeldes.

o pensamento lhe tomou a cabeça involuntariamente, só em pensar no sangue que iria derramar madrugando o ato. mas por por favor não. não pensem em sangueira, salmoura, cabidela. nisso mais do que um esteta, ele era um religioso. e pra ele derramar era só uma figura de linguagem, homem de metáforas e analogias, já que meleiro não era com ele. com ele era a sofisticação em forma de lâmina. a perfuração estreita. o corte sem deixar refluir o sangue, embainhado no momento da ruptura semi-cilindrica. o que lhe exigia uma preparação assaz extenuante, como se tenista fosse. fortalecer os pulsos era necessário, e que pulsos homem, que os tinha. com igual fervor também primava pelo disfarce, que lhe permitia o gozo do martini não permitido aos da sua irmandade, tido e visto ainda assim como pecado venial.

lá de cima, no bar ao pé da sé de olinda, o porto do recife podia ser visto em panorâmica. mantidas a distância e proporção que permitia a visão, mas nunca a promiscuidade de tomar-se com parte da paisagem, onde havia nascido mas jamais reconhecido como um de seus filhos babados de pernambucaneidade. apesar de por tantos, já ter feito para isto.

costumava chegar ao entardecer. duas ou três mesas ocupadas. a sua preferida como por desejo realizado sempre vazia a sua espera. o movimento sutil da mão, branindo com suavidade a firmeza do pedido de imediato reconhecido, já era do conhecimento dos garçons que traziam aquela música no ar sorvida como um cântico: duas pedras de gelo. igual tilintado. bianco duce. e em vez de limão, cerejas. duas. de preferência não simétricas. taça nunca mais de dois terços, que era homem regrado.

brinde mais do que sagrado, sob a luz perfeita do entardecer, manto púrpura bordado pelo ouro dos últimos raios de sol fronteiriços a noite que tomava o cair da tarde num quase negro a engolfar réstias de nuvens azuis que plasmavam o branco a esvanecer-se. quase caravaggio. perfeito!, mentalizava-se. contrastando com a plena brancura da nave, paramentado para o crime, ao som de orações de mesmices.

exatamente as 15 para as seis, em tais dias, levantava-se após o segundo martini, ainda a meio. já paga a importância acrescida da gorjeta a mais cinco por cento, o que também lhe acrecia a alcunha, discreta, de homem dos 15. pelos garçons afirmado, nunca como galhofa e sim como separação dos fregueses comuns, tediosos, e daquele que se despedia sempre com um gesto santo, não sabiam o porquê depositava-lhes um sorriso que lhes trazia paz, fiéis escudeiros, bandejas coladas ao peito, homenagem que se fazia espontânea e inconscientemente, como se lhes obrigasse imã no peito.

em plena missa das seis lá estava ele, à carater, batina levemente surrada, convertido, gesticulando o latim de costume, consagrando o sangue do corpo de deus, com a repugnância que aquele vinho de quinta lhe causava. ainda mais depois do martini. mas, ato de fé, ato de fé. mantinha a postura até o fim e rezava e rezava para os fins, antecipando o sacrificio dos cordeiros de deus a serem imolados bem mais tarde, nas madrugadas de pedras úmidas de olinda. mais de mijo do que do orvalho, o que confirmado o ato mijador, resultava em último do pecador mijão.

graças a ele, ainda que lentamente, a razão de nunca mais que três mijões por semestre, o perfume das ramas derramadas sobre os muros dos casarios, outrora ainda mais ornamentados, iniciaria um movimento ainda que pendular a sobressair-se sobre a catinga entranhada nos rejuntos de pedras seculares e portas não menos antiquas, que se assim não fosse seriam destruidas pela vanila da quimica ultrajante das urinadas, ainda que displicentemente. despejadas sempre com mais vigor naquilo que o casario tinha de mais valioso, ainda que por abandonada assim não parecesse.

de quebra, as madrugadas de olinda por longo tempo permanceriam mais seguras para os garçons, os amantes e transeuntes da madrugada que, apesar dos medos, dos ditos e boatos, poderiam ir e vir em paz. desde que não mijassem fora do caco. e sobretudo acima do meio-fio. o que nem desconfiaria a polícia, também em risco se acaso apertada chegasse a isso, de que na catinga do mijo acima do sangue residia a química do ministério.

e assim foi. golpes e golpes de misericórida a fio. cidade mal cheirosa aprendendo a respirar outros perfumes novamente.

faina terminada, resmungava olhando para o crucifixo que lhe cobrava, mais por hábito do que por penitência, reza de boa noite. ao que se permitia leve blasfemada dada de ombros, suposto de antemão ter sido perdoado por mais que boa ação, ação de limpeza. o que lhe garantia um sono absolutamente tranquilo com sua fé e sua consciência em nada extenuadas, mas que por via das dúvidas deixava sempre o arremate no ar: — não gostou? então que vá se queixar ao bispo.

Saturday, October 07, 2006

bodas d´ouro

varanda de casa simples. como simples são as coisas postas felizes. de já quase idosos um fogo daqueles que não alardeia chamas em alta mas que queima lenta e aconchegantemente dos troncos os gravetos na lareira dos corpos que ainda lhe são ardentes.

mãos dadas, veias sobre veias, ela ainda mais carinhosa, faz-lhe pergunta que julga impossível resposta outra que não seja tamanha felicidade.

— diz-me meu amor, haveria alguma coisa que te pudesse fazer em mim, de tí o teu amor escravo mais livre e feliz ?
e ele, num sexo-sentido exposto em travo de mágoa — comer-te a bunda! todos os dias sem fazeres estes aís que me machucas, aís que assim mais não quero, como se uma vez na vida fossem todas as vidas numa vez.

toma-lhe a cara vermelha de um ardor nunca sentido antes. a bofetada fora tão inesperada quanto a resposta não aguardada.

e assim não sendo, continuaram a viver infelizes até que a morte os separasse.

Friday, October 06, 2006

anybody there?

toc! toc! toc! ô de casa!!!

na porta de pau ôco, morada de há muito abandonada, colônia de cupins lhe partiram o coração, as batidas foram morrendo sem resposta.

prenúncio do que havia lá dentro de vazio? não se sabe. nem alex sabe. quem sabe o que se passa lá dentro do que quer que seja? nem o dentro do dentro sabe. quanto mais o de fora. mesmo que nem sempre esteja por fora.

estes momentos de segundos sempre parecem horas até que houvesse resposta, se resposta houvesse. nada. silêncio em ecos, de nada adiantaria bater novamente.

rente a testa, esboço do que pareceria ser um bilhete, fui ali e já, presumiria-se, volto. mas como voltar se ele nem sequer tinha ido? se ele nem sequer tinha saído. se ele nem sequer tinha sido?

mão batida na porta lembrava sinal do black power. havia musgo na porta. se havia musgo não havia solidão. pois havia ali um sinal de vida, ainda que esverdeada. uma punheta de vida, vida punheta mais vida, quiçá um punheta da imaginação. mas isso foi antes do silêncio substituir a solidão.

casa de poente levava com o sol todas as tardes, fazendo quase ferver pote d´água servilmente colocado para matar a sede de companhia do inacompanhável. fazia isso várias vezes ao dia, únicos momentos em que era visto em longas conversas com os gatos da rua. diálogos de ronronados, miados que ele respondia numa língua ora imaginária, ora bem real. entendia e fazia-se entender, julgava sem pressupor outras traduções. mas tinha um princípio:só discutia com os gatos as coisas boas da vida. nada de mazelas ou chorumelas. desgraças nem pensar. ainda que muitas vezes elas estivessem à vista nas sete vidas multiplicadas que os gatos lhe traziam. com gatos não discutia nem filosofia barata. amenidades o tema da conversa de sempre. era o que precisava para dissipar-lhe todas as gasturas das suas incompatibilidades com o restante da vida que se puia a cada dia que lhe morria um bichano.

e punha-lhe nomes santos a todos. de acordo com a sua não religião. broken, era o preto e branco tigrado. rabo quebrado desde pequenininho. filho do caôlho. gato surrado. crecas à beça. feridas crõnicas em ouvidos abertos para sempre mas senhor da rua e de todas as noites até a do seu sumiço.

princesinha, a sua preferida de rabo flocado e traço angorá no preto e branco de gata de rua. aquela que cantava minuetos a sua passagem e que, breve passagem, amanhecera impávida a poucos metros de sua casa. contaria um gatil se fosse descrever todos os miados que lhe emocionavam sensivelmente. batmanzinho que mudara de rua, aquele que sempre estava de rabo em pé ao seu chamado. rabão, que outro nome dera mas esquecera e ficou este. cara escarrada e esculpida da face e dos trejeitos de princesinha que a substituira e de igual modo mui breve vida. e havia margarida. a mãe de todas. oito partos se contou direito. a gata que fazia correr todos os cachorros de carreteiros. fosse de dia, fosse de madrugada, e que agora debilitada, corria ao menor ruído, sinais de que andava sétima vida e já com ora marcada. ainda a irmã de princesinha. arisca, que nunca por nome teve, mas nome dado por agora. e que assim era, menos no dia do parto em que lhe deixou massagear a barriga de filhotes que só conheceria um, também vita breve. foi-se como todas as coisas vão-se com o tempo dimuido nesses tempos que anunciam que a ampulheta não pode mais ser virada.

toc! toc! toc!, sequer um miado. se for esperto alex já sabe o que isto denuncia.

o pote de há muito vazio, pequeno detalhe passado em branco, salvo quando o pisou ao voltar-se para ir embora.

do pote ressecado a história trincou-o na hora.

Thursday, October 05, 2006

dura lex sed alex

por aqui um tal que faz-me comentários. meio desconfiado de que é tipo semi-sádico. gozador. aparenta propósitos de incentivar-me a cometer mais crimes. mas sabe-se lá que mente tem de propósitos. é um gente de carne e osso. e isso é tão suspeito quanto também o sou. mesmo quando não sendo.

corruptor de maiores. passa cuspe em sua labia sim. vai tentando convencer-me de que é possível um mero escritor vez em quando
piar em mim.

quase diariamente me visita. apertou o passo. desde a semana passada, todos os dias. hábito que se continua, vira víço. inominável. qualquer coisa de quase baitôlagem, literária.
as vezes, confesso-lhe, até tenho vontade de dizer-lhe xõ! passa fora! sai! vicio. mas já estou lhe começando quase pelo fim nesta breve história de escritas. e a vaidade alimentada o vai apreciando, sem autógrafos. apesar de ter lhe dado confiança algumas vezes.

por isso todas as manhãs leio seus comentários. e escuto suas batidas à porta, chamando-me para mais uma incerta da lida.

da minha casa da escrita, frestas de porta e janela, mui recém revelada. vem da cumeeira sentimentos ruminantes. sem estuque, folhas secas estaladiças sobrepôem-se a meus passos. de memória levanto da cadeira de balanço bem no arco dos seus guinchos. tempos duros do meu avõ. daquela que marcam costas, de fios que sempre partem quando a coisa aperta. abro portinhola e não vejo nada do que ele diz que lê. nem na rua, nem dentro de casa. tudo instinto de um vazio só. sobra a vista de quintal pra ribanceira.

então volto pra dentro do balanço e produzo mais folhas e folhas de papel em branco sugadas pela luz da quase fantamasgoria de volta à cumeeira. quase compondo um tipo, meio de mágico meio de trágico, lá pelas tantas da madrugada, deixam de ser ecrã e tornam-se derramadas da mesa ao chão, no que logo-logo tem serventia na brincadeira de bolinhas rarefeitas da literatura em círculos produzida, e que jogo a cachorros e gata, formas de vida, que ela, a escrita, conhece em mordidas.

cachorros, gata de dentro, e gatos de fora, que são três, contemplados com intevalos esparsos, porém metódicos, das benditas para eles pausa na escrita. sabem que esta é a única utilidade deste exercício diário de nem sequer semestre. estreitar-mo-nos juntos por mais tempo possível. apesar de já tê-lo cronometrado para a extinção no grande livro de todas as escritas. onde todos os garranchos acabam em branco no correr do tempo. folhas mortas, por mais garatujos que as façam conter.

e assim, amargo-doce, se lhe desdigo, escrever no entanto, pra quê? se não conseguimos dar vida para os únicos personagens que realmente importam? e que realmente nos fazem companhia, até mesmo quando não merecemos? produzo-lhes apenas inútil jogo de palavras, que não conseguirá prolongar-lhes nada mais que uma cusparada certeira da anti-vida, que adianto-lhes já não anda nada divertida para nenhum de nós.

então, quando o tal alex amanhã bater-me a porta, vou soltar-lhe os cachorros e gatos em cima. quero ver como ele se sai, como se porta nesta caca de vida escriturada em que acabou aparafusado nas anotações dos meus guardanapos.

fundilhos à mostra, vou fazer-lhe apupado, acuado, meninada a gritar pega-pega, vozes de pés-de-cabra a lhe praguejar. anciâs a brandir-lhe o cacete a torto e a direito com pombos a lhe defecar. e até burros sem rabo a lhe coicear. escárnio da queda, com sorte não lhe cai pedaço arranhado. e, principalmente, quando o capenga, vira-lata tinhoso imaginário, construido a partir de romário, o pequeno cão de perna dura, marrento como ele só, que assim como apareceu um dia sumiu, como tudo há de ser na vida seja escrita ou não, em vez de dentar-lhe a bunda, mijar-lhe o pé rapado de admirador.

aí, talvez ache que realmente estou me tornando algo mais que um quatro paredes de escritas. e, se assim for, levo a cadeira de balanço para a calçada, e aposento de vez o compurscador.

(visto assim também, talvez o alex não passe nunca mais por aqui. embora não se vestisse na pele de bajulador. mas, ainda se assim, se não fosse ele, o que seria de mim agora, escritor?)

Wednesday, October 04, 2006

conversa privada ou uma conversa do caralho

— olha aí você caralho. inerte. podia ter comido todas as mulheres do mundo. mas não, fixou-se numa. essa foi mesmo do caralho.
resultado foi este suicidio do caralho. enforcado aí caralho. dependurado em duas bolas, caralho. preso entre pernas, sem asas caralho. mais parecendo caralho de quem amarrou pedra nas pernas, para ter certeza , sabe-se lá por que caralho, de que esse caralho não cisme de boiar.

e aqui está. em vez de afogar o ganso, caralho afogado em mágoas. triste caralho. coisa inútil de mijar. não serve mais nem pra acertar no buraco da privada. mas que caralho!

— vou te dizer uma coisa, caralho: porque ainda sou teu amigo e não tenho o menor saco pra te ver assim caralho. caralho não nasceu pra morrer apaixonado, caralho. caralho nasceu pra morrer duro, caralho. com tesão até pela morte caralho. então vê se se arma e ressucita caralho. porque caralho mole nem a morte quer levar caralho.

— tá surdo caralho filho da puta? não ouviu o que eu estava falando não? mas será o caralho do benedito? anda! balança a cabeça diz que sim ou que não caralho!

—ah! é é? vai continuar dando mole assim pra ela caralho? então dá um tiro na cabeça, caralho. vai te fuder!

— eeeiii caralho! na cabeça do caralho não, seu merda! na sua cabeça. vai ser desmiolado assim na casa do caralho. seja pelo menos civilizado caralho: onde já se viu mirar no porra do caralho? enfia a porra do cano na boca caralho e ai dispara, caralho.

— mas o que foi, caralho? ainda por cima, caralho! quer que eu puxe o gatilho? bom então lá vai. que se foda o caralho(caralho se fudeu).

(mas que caralhozinho de merda este caralho, agora pra valer morto de apaixonado. que fim do caralho. não? caralho!)

Monday, October 02, 2006

mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura-bolo e mata-piolho

com meio pau já enfiado na garganta de betty boop, brucutu ainda meio em dúvida se enfiava ou não três dedos na dona dos buracos achados e perdidos em vinte e cinco quilos.

oito anos no máximo. comprada a custo de chicletes. meio copo de cerveja. e, vá lá que hoje estava de coração mole, terça-parte de saco de feijão. pedido quase brochante daquele irritante — moço é pra mói de dar de comer a minha irmazinha, que nem mamar peito mais força mãe tem.

dedo no cu hoje não convém. dia de manicure. unhas feitas, brilho batendo com sete dentes de ouro. troféis de sacrifício. podium de quinze anos de poeira pedra e lama. peso do mundo todo a sufocar por cima. labuta desumana sem futuro. tudo pra família. catorze filhos. nove de fêmea. cinco de macho. e um que não prestava pra nada não. alesado desde pequeno. anda mas não pensa. ri de baba. e das necessidades, se faz sozinho, mela tudo. tentou dar, mas não apareceu nem um coração bom pra aceitar. pra o senhor vê como anda o mundo hoje. já fio das outra não conta, pedra de terço, que reza o sustente.

mindinho então nem pensar. que pra chegar unha assim naquele tamanho de dedo, unha foi quase obra esculpida com muito de si. sabe-se lá com que pedidos a deus ou ao diabo, pra ficar daquele tamanho, quinta maravilha da natureza. ainda mais porque erigida dentro do ofíco de cavar com as mãos, ofício que se engane não seu moço, já deixou muita gente cotó. e só lhe digo isso pra não ficar desvalorizando, achando que é orgulho exibido, mas que é exibido, principalmente nos bons almoços. dá jeito palitar o charque, manejando a alavanca de calhau, com ar de desprezo pra coronel. na catapultada dos fiapos ao chão então? infalível. com direito a glória se fiapo de manga. muitas das quais gargalhadas, enquanto todo mundo fica fazendo munganga de língua e palito que não resolve.

enfio não enfio, enfio não. ainda sujo unha. cu de besouro, mas quem duvida que merda dentro? desiste, e arrasta cabeça de menina toda pra barriga aos gritos: — engasga! porra! engasga!

betty boop não engasga. vomita gosma de bílis, sangue e uma titica de comida qualquer, misturada com a porra de brucutu. leite branco que desde menos criança não vira bebê. mais sustança que tudo que lhe vem de dentro da barriga pra fora. meleiro só, mais cheira do que vê, visão tateada do brutamontes.

movimento brusco, cabeça para trás, solavanco, que nem no estertor do gozo brucutu consegue segurar. betty chupa agora o ar de fora da boca. gosto de vida que sai e que entra, rasgando rosto no afã de não sufocar com unha que podia ter rasgado o cu de há muito temente. sente a navalha mas não chora. dono da unha urra de dor, mais de orgulho que de física, e pragueja pra todo o mundo ouvir:

minha unha, sua bobônica! sinhá cabrita, minha uinha! sá rapariga, cê sabe quanto tempo eu levei para deixá-la assim? tem mais tempo do que tua idade e nem isso tu respeita nos mais velhos?

e feijão, um caralho! um caralho!

betty boop ficaria mais que uma semana sem comer o que quase nem seria mais novidade. rosto infectado, mais de bactéria do que de vergonha. família também. menos por solidariedade e mais por falta do ofício.

daí em diante, até hoje, que tem 12 anos, sabe-tudo de veterana, betty boop examina as mãos antes de colocar qualquer coisa na boca. e ao menor cheiro de esmalte começa a vomitar bílis e acetona.

afora isso a vida vem lhe tratando bem. com unha ou sem unha, não tem dedo no cu, do mindinho ao mata-piolho que seus 34 quilos não aguentem.