
levei pilhinha no
bolso. bazar de mercadorias com pequenas avarias – desde quando uma avaria é
pequena? sentimental então é rombo - ; nada que me interessasse de imediato. mas
pera ai? aqueles relógios de parede grandes e coloridos e olha o design dos
números com cara de macarrão derretido. gostei. avarias, bem, vamos lá testar. um dois três, testando, não funciona, lascado trincado, vidro solto, funciona
não funciona, funciona. oba! já levei o azul. mas tem verde e laranja trator. vamos testar. um dois três testando. funciona não funciona. ponteiro solto,
máquina solta, botões soltos, uma mais lascado do que o outro. acho que não vai
dar. deu. primeiro o verde, depois o laranja. no caixa a moça avisa: - cê sabe
que as máquinas tem um probleminha, tem de trocar. no brasil aprende-se que
probleminha é eufemismo de problemão. é como chamar bundão de bundinha(isto é um eufemismo reverso, minha senhora) achando
que a dona da bunda não vai ficar incomodada. sabe como é: se você chega dizendo
que a mina tem um bundão ela senta mão na tua cara porque você chamou ela de
gorda. mas se disser que ela tem uma bundinha ... leva um tapa na cara porque
ela acha que você tá dizendo que ela não tem bunda, logo ela com aquele bundão
enorme.
mas ai diante do
probleminha, eu, todo esperto, disparo: na-na-nina. estão funcionando eu testei,
eu trouxe a pilha, me achando o máximo, como todo otário, que se desmancha com
o ar de desdém da moça que dispara: - ah! É, bem eu Tô avisando, não tem troca.
chego em casa, e
radiografo as paredes. o azul no quarto, não que azul seja de rapaz, é que azul
lembra céu, tranquilidade, enfim, o que é bom para o sono.
no corredor o laranja,
tipo semáforo, que é para ser visto de longe e alertar que depois dele vem o
vermelho do atraso. e o verde? nada ver com as verduras, na lateral da cozinha.
mas pera ai. hora de
dormir e sobe o ruído de uma catraca, de onde será que vem este ruído de
tortura que parece comprimir sabe-se lá o que de quem? do relógio azul. pombas! no som ambiente do bazar, não dava para perceber. mas aqui na tranquilidade do
quarto, soa como mastigado de amendoim. e os outros, nada, silenciosos e
cumpridores irretocáveis na sua função de medir o tempo. então é simples: troco
os relógios e acabou-se o probleminha(será que a moça do caixa tinha um
bundinha ou um bundão, penso, pano rápido, enquanto troco o azul pelo verde.
e vamos aos sonos dos
justos com tudo resolvido. súbito acordo no meio da noite, e nem um barulhinho,
mas vê-se que os ponteiros estão movendo a catraca da vida muito embora você
não perceba, salvo se for este o foco, o que não é o caso de quem queria dormir
como um bebe – de onde raios tiraram esta expressão já que bebes não dormem
parecendo mais uma catraca ensandecida com tanto choro e esperneio?
fui dormir e você me
pergunta, dormiu bem? após trocar o azul pelo verde? e eu lhe respondo que não
fiz troca. é bom acordar e em vez de
silêncio total ouvir algum barulho de vida que não seja o seu, ainda que seja o
da catraca de um relógio de bazar com produtos com pequenas avarias.
são estas pequenas
avarias, que não emitem sinais de vida fácil, que afinal vale a pena viver com e por
elas, ainda mais que dormir com o silêncio total abafa qualquer possibilidade
de vida para além do sonho da morte.